Recorte III. Tinta acrílica/tela. 140cm x 120cm. 2012. Coleção particular. Paisagem urbana
Recorte II. Tinta acrílica sobre tela. 140cm x 160cm. 2011. Paisagem urbana
Recorte (La condición humana). Tinta acrílica/tela. 80cm x 140cm. Paisagem urbana
Contorno. Tinta acrílica e areia/tela. 140cm x 210cm. 2012
Leve inclinação. Tinta acrílica e areia/tela. 205cm x 140cm. 2011. Paisagem urbana
Passagem. Tinta acrílica e areia/tela. 205cm x 140cm. 2012. Paisagem urbana
Recorte urbano. Tinta acrílica e areia/tela. 200cm x 140cm. Paisagem urbana
Recorte urbano (Baia de todos os Santos). Tinta acrílica e areia/tela. 2012. Coleção particular. Paisagem urbana
Uma paixão inscrita na parede
Francisco Antônio Zorzo
Professor da UFBA
A exposição Recortes Urbanos de
Juan Noreña demonstra uma forte capacidade pictórica de retratar Salvador. A
mostra na galeria Cañizares faz parte de um projeto de mestrado em artes visuais,
que o artista colombiano está completando na UFBA. São vistas de paisagens e
paredes da cidade, que foi observada de ângulos enviesados e sob cores
soturnas.
Sem deixar de lado a
singularidade plástica própria da Bahia, os quadros apelam para um tom escuro e
enganoso, que caracteriza muitas metrópoles latino-americanas contemporâneas.
As imagens não são simplistas nem frias, pois o artista colombiano, pela via
amorosa, tem o cuidado de encorajar um olhar complexo, que ultrapassa as
barreiras convencionais, tanto as do visitante turístico, como as do cidadão
comum.
Por um lado, a exposição tem uma
mensagem direta que vai contra qualquer visão apaziguadora dos laços que os
habitantes mantém com a cidade. O olhar do artista cruza avenidas e ladeiras, a
orla e a avenida portuárias e vai atingir em cheio as paredes anônimas das
construções urbanas.
Mas por outro lado, a exposição prende
o expectador por uma mensagem secreta, cativante e obscura. Os quadros se tornam
ainda melhores pelo que escondem e deixam supor, por um apelo inenarrável que a
paisagem congela e os muros estancam. Os quadros deixam uma mensagem em
suspenso, para que se efetue na mente do observador um determinado efeito. Pode-se
dizer, com certeza, que não se trata de um simples jogo de composição ou uma truque
pictórico, mas sim algo altamente elaborado.
O modo de expressão, na lentidão
da proposta pictórica de Juan, condensa um
sentido de densa tessitura. Dada uma vista a ser pintada, a maneira como as
cores são aplicadas em camadas, abandona o plano previsível para, durante os
momentos mais intensos do trabalho, captar a tensão existencial dissonante que
o lugar proporciona ao sujeito da observação.
Portanto, convém apreciar as telas
colocando-as numa moldura emocional. O conjunto de quadros está embebido num fundo
emotivo matizado de desespero e de dor. O que as imagens veiculam é o lado
trágico e o destemor da vida, que escoa fazendo face à metrópole. Transmitem a
fatalidade que há na opacidade dos prédios e encostas, no azul estonteante do
céu claro do dia caloroso e no peso da noite interminável.
Sem deixar de ser complicado e
trabalhando com rigor, Juan procura trazer algo para nos mostrar. As pinturas
elaboram uma noção incontornável e fatal de modo elíptico. Mas o que seria o dado obscuro que as telas omitem
intencionalmente? Que fatos terríveis se escondem por trás da pintura? O que
fica no escuro é uma dúvida cruel que não pode ser ignorada.
Na vernissage, um convidado
declamou poemas dramáticos nos salões da galeria. A performance esclareceu essa
questão, resolvendo para o público uma parte do mistério das pinturas.
Declamação de Edgar Velame
perante os Recortes Urbanos – Foto: Francisco A. Zorzo
Em inscrição opaca, as telas
emolduram paisagens esvaziadas da ação de qualquer personagem. As telas deixam
fora do quadro, algo que se esconde no fundo cinzento. Foi isso que emergiu na
cena, que a pintura contém como um espelho, um grito desprotegido... Como se vê na foto acima, o que as telas
evocam é uma voz abafada que faz eco à vida na metrópole. Na performance de
Edgar Velame, que foi um dos pontos altos da inauguração da mostra, o sentido
das pinturas colocou-se em pratos limpos. Calou fundo a expressão subjetiva que
elas contém.
Uma boa pesquisa em arte é assim,
exibe os acordos severos da vida, que estão por trás dos motivos e temas
projetados no suporte. A visualidade torna-se uma veia aberta a escoar a
violência das ruas e dos edifícios em que vivemos. De maneira generosa, a
pesquisa de Juan explora as juras de sangue da aliança com que o sujeito se
vincula ao lugar de convívio.
A idéia da mostra não é indicar a
evasão, mas a permanência do sujeito e a quase fixidez do lugar. Do ponto de
vista do sujeito, as telas trabalham a imagem de um ser resistente e, de certo
modo, dotado de uma boa dose de impulso auto-destrutivo. Cada quadro contém uma
luta. A parede de vidro da civilização veio se impor mais uma vez? Talvez sim,
mas por isso mesmo, o olhar continua firme contra a parede. É isso que parece
ser o ponto forte da mostra, fazer ver esse grito, ecoando através dos quadros,
a luta dos sobreviventes na grande cidade.
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